Cora Coralina, em trecho do poema "Todas as vidas"
(...) Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinetinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
_Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida. (...)
Disseram que Cora Coralina representa um rompimento com a tradição patriarcal literária essencialmente masculina de seu tempo. Será essa a Aninha? Qualquer um que lê qualquer um dos poemas da doceira Ana Lins dos Guimarães Peixoto sente o fluxo da vida incessante a brotar-lhe do meio das palavras, como o rio que cumpre funcionário o seu debaixo-das-pontes-velhas de Goiás, sem querer fazer parar nem a corrente do tempo nem a corrente literária dos homens. Sobre tudo isso está Cora, viúva de volta a Goiás depois de mais de 40 anos radicada em São Paulo. Foi publicada, pela primeira vez, aos 76 anos de idade. Poemas dos Becos de Goiás e a outra meia dúzia de livros que a este sucedeu são preciosos potes de frutos sadios que sua doçura e sabedoria tão bem souberam preservar. Um desenho que faça jus à mulher que foi tem de ter na base do cachecol a ponte da casa velha e caminhos fumegantes como doces no seu fogão de lenha, dourados de açúcar, brilhando eternamente nos tachos de cobre da vida.
www.memoeditorial.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário